quinta-feira, 23 de abril de 2009

Um dia qualquer, pela manhã....

Não sou pobre. Estou temporariamente desprovida de recursos financeiros. Desde mais ou menos 2003.
Mas isso não significa um estado permanente. Não, com certeza isso não me coloca de novo na categoria de “pobre”, como eu era há zil anos atrás.
Não sou. Estou. Tem diferença.
O “ser” implica interiorizar, absorver uma determinada característica, caso ela ainda não faça parte da pessoa em questão.
Já o “estar”, é passageiro. Coisa de momento.

Nesse momento "estou" dentro do ônibus. Ônibus lotado já desde o ponto final e as 7 horas da manhã, quando a funcionária da empresa que gerencia aquele caos - uma fiscal, ou sei lá qual o nome da função - grita lá de fora para quem está dentro, na porta (uns 8, divididos em 2 degraus):

- Ô pessoal ! Sobe mais um pouco, senão a porta não fecha e ninguem sai!
- Sobe mais prá onde? - pensei. - Será que devo flutuar?
Enquanto meditava sobre a situação, ouvi a seguinte conversa entre 3 moças ao meu lado:
- Quer que segure a sua bolsa?
- Ai, brigada. Bolsa grande as vezes atrapalha.
- Mas também é tudo de bom, né? Cabe tudo. O que a gente pensar, tá lá.
- É, mas quanto maior, mais tralha a gente carrega também.
- Na minha tem tudo que você possa imaginar. kit costura..
- Tenho também. Agulha, linha...tem maquiagem..
- Escova de cabelos...
- Necessaire..
- Na empresa onde trabalho tem que levar marmita. Então já viu: tem uma prá salada, uma prá mistura, uma pro arroz e feijão. Fora o bolo e as frutas.
- Afff! Cê leva tudo isso aí dentro?
- Ã-hã.
- Todo dia?
- Não. Levo as frutas 2 vezes por semana, um monte, e deixo lá. Aí, vou comendo. A noite em casa não dá tempo, né? Quando é que vou comer minhas frutas?
- Tem que tomar cuidado prá necessaire não misturar com a marmita. Já pensou o batom com cheiro de banana?
- Então. Aí fica essa bolsa enoooorme.
- Até que a tua tá pequena... Hoje na minha bolsa tem até uma calça que levei prá costureira.
- Nuooossa! Ganhou. Tem calça aí, é?
- Por quê você não trouxe numa sacolinha?
- Ah....sei lá....melhor enfiar tudo na bolsa que ficar carregando umas cinco sacolinhas. Pelo menos é uma coisa só.
- Verdade.
- Mulher é fogo, né?
- Ahhhh, mas hoje homem também leva um monte de coisas...
- É...só que numa mochila....
- É...é a única diferença.
- Levam creme prás mãos..
- Necessaire...
- Livro....
- É...eles são metro...metro....como é que é o nome?
- Metrossexual.
- Isso.

Olhei pro cara ao meu lado. Barba por fazer. Cheiro de suor já pela manhã. Camisa amassada. Não....posso até estar enganada, mas não acredito que na mochila dele tem creme prás mãos e algum livro.
Como se estivesse adivinhando meus pensamentos, ele me encarou. Desviei o olhar prá um cartaz dentro do ônibus, que dizia:

"Senhor passageiro, evite ficar parado na porta. Distribua-se pelo interior do ônibus".
Distribua-se pelo interior do ônibus? Como meu Deus???? Um braço perto do motorista, a perna perto da porta de saída, a cabeça em algum banco? O que era aquilo? Sugestão de auto esquartejamento?

O ônibus parou no ponto. Ninguem desceu. Subiram mais 4.
- Aperta aí, gente! Dá mais um passinho prá frente!
- Tá vazio aí no meio!
- Vazio onde? Cê acha que aqui tá bom, então manda a tua mãe prá cá!
- Ai meu Deus, calma pessoal....tá chegando....

O motorista resolve ligar o rádio. Joe Cocker começa a cantar: "You are so beautiful, to me......" olho pro lado e vejo o barbudo suado. Ele me encara. Eu começo a pensar que o auto esquartejamento pode ser uma opção.

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