
Ninguem mais acreditava nele.
Ele bebia.
O fato dele ser alcoólatra já transformava em "mentiras" todas as coisas que ele dizia.
Ninguem mais acreditava nele.
Nos ultimos tempos ele praticamente gastou tudo o que ganhou em bebida e jogos. Eles tinham 5 filhos pequenos e, por isso, sua mulher não trabalhava fora. Não podia. Não tinha com quem deixar as crianças.
À noite, acontecia da mulher colocar as crianças mais cedo na cama, prá não pedirem comida. Não havia comida. Havia somente chá. A comida tinha se transformado em garrafas de pinga, ou em noitadas de jogos de dominó. Mas as crianças pediam comida....depois que elas dormiam sem comer, a mulher se trancava no banheiro prá chorar sozinha.
Isso aconteceu muitas vezes.
Certa vez, ele tentou. Tentou de verdade. Parou de beber por uns tempos. Comprava a comida direitinho. O básico, porque seu salário não ajudava. Eram muitos filhos, gerados antes da existência de anticoncepcionais. Ele fez um esforço e comprou móveis novos. Camas para os filhos, que antes dormiam amontoados em duas só camas. Comprou geladeira, prá não estragar o leite das crianças. É verdade que praticamente só tinha o leite, ovos e o vinagre guardados lá. Sobrava água gelada e gelo, faltava o resto. A geladeira vivia vazia.
Ele comprou um sofá e duas poltronas, com mesa de centro e tudo, "prá casa ficar mais bonita". E, finalmente, comprou mesa da cozinha e cadeiras. Tudo novinho prá "patroa" ficar feliz. Tudo parcelado em 18 vezes, lá na loja de um conhecido.
Mas aconteceu que veio a chuva.
Foram só 40 minutos de muita chuva. Chuva intensa. Chuva cruel. Não deu tempo de salvar os móveis novos. A chuva era tanta, que a água encheu as ruas, entrou nas casas. Entrou na casa dele. Cobriu os móveis dele. Os móveis novos. Tudo enquanto ele trabalhava.
Ele nem viu.
Quando chegou em casa, não tinha mais móveis. As crianças estavam na casa de parentes. Foram levadas, porque a casa ficou inundada. Ficaram separadas, cada um na casa de um parente, já que eram cinco.
Ele olhou em volta.
Não havia mais cama prá dormir.
Não havia mais sofá prá sentar.
Não havia mais mesa e cadeiras bonitas prá mulher ficar contente.
Não havia mais geladeira para guardar o leite das crianças.
Ele sentiu o peito doer. Não entendia. Não compreendia nada.
Então foi para o bar beber.
3 comentários:
Passei por aqui prá ver se tinha texto novo. Pena, não tinha.
abraços.
alex_ferrari1965@hotmail.com
Bem, querida Gi...antes de mais nada o elogio merecido ao seu texto, com toda a carga emocional que imagino ter guardado por tanto tempo. Depois porque conheço parte dessa história pelo que me contou e agora pelo que leio. Outra parte porque passei por situações semelhantes qdo meu pai transformou-se num alcóolatra quando eu era ainda menino, como você. Naqueles tempos a jogatina corria solta e levava muitos homens ao bar. A TV pendurada num canto do botequim, fazia qualquer partida de futebol da 3a. divisão num acontecimento de infindas discussões e dezenas de copos de rabo-de-galo (pinga com cinzano) e da pura mesmo. Discussões políticas eram salutares por um lado e acabavam em palavrões e tabefes por outro. Uma 51 levava a outra que levava a mais uma... até ficar estirado na calçada esperando algum membro da familia vir recolhê-lo daquele porre nº 51. Ainda assim superamos tudo isso e conseguimos ser pessoas decentes e privilegiadas, a despeito de tantos maus exemplos que convivemos e muitos convivem com menos sorte. Deve haver uma explicação pra isso. Que tal comemorar?... - Garçon, traga uma rodada pra nós.
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